Viver na cidade


Cidades e comunidades sustentáveis é o 11° objetivo de desenvolvimento sustentável (ODS) proposto pela Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas (ONU). Esse ODS tem por ideal tornar as cidades e os assentamentos humanos mais inclusivos, seguros, resilientes e sustentáveis. Já que, segundo os dados da ONU, publicados em seu Relatório Mundial das Cidades 2022, com 56% da população mundial habitam em áreas urbanas. O sociólogo polonês Zygmunt Bauman (2009) associa o viver na cidade ao viver com as diferenças. Essa afirmativa pode ser considerada para observarmos as configurações das cidades atualmente, no que tange ao objetivo da segurança explicitado pela Agenda 2030. As cidades são um dos lugares onde desenvolvemos os nossos relacionamentos, onde trabalhamos, estreitamos laços, experimentamos um momento de lazer, usufruímos do espaço público de uma praça, uma praia ou um parque, onde interagimos cotidianamente com pessoas estranhas e diferentes de nós.

Este é o caso de realizar um contato com um motorista de ônibus, um caixa de supermercado ou um atendente de loja. Considerando, ainda, os dados da ONU que estima um crescimento da população urbana para 69% até o ano de 2050, as situações da cidade no que tange a inclusão e a segurança podem se tornar críticas, já que o desenvolvimento das relações entre as pessoas, no ambiente público, podem se ver prejudicados em razão da insegurança de frequentá-los.

Viver em uma cidade significa viver junto com a diferença que está presente nos seres humanos que nela habita. Somos seres compostos de particularidades únicas que podem ser observadas na nossa maneira de falar, de nos vestir e de nos expressar. Somos possuidores de uma variedade de culturas, de nacionalidades e de costumes. Apesar disso, conforme Bauman (2009), o elemento do diferente pode atrair e repelir na mesma medida. Bauman descreve os conceitos da mixofilia (atração) e da mixofobia (medo). Atualmente, o desenho do ambiente urbano promove o estabelecimento da mixofobia quando demarcarmos as diferenças, traçamos as fronteiras, criamos espaços cada vez mais vedados para uma pessoa considerada estranha. Assim, o sentimento do medo cresce, tememos aquilo que nos é desconhecido para a nossa construção de mundo, nem nos permitimos conhecer, e investimos na busca por segurança.

Nessa configuração, acabamos por temer dividir o espaço público com um desconhecido já que suas intenções são estranhas, mas nem nos permitimos conhecê-las. Nesse cenário, investimos em formas de nos sentirmos seguros. Para as pessoas com poderes aquisitivos, uma dessas maneiras são os condomínios fechados, onde é possível encontrar, no seu ambiente, os serviços básicos de educação, saúde e de comércio que portam uma alta segurança empregada por câmeras, guardas, alarmes e muros. Essa maneira de segurança autoimpostas ocasiona a autosegregação no meio urbano, e em consequência provoca a segregação involuntária para os demais habitantes da cidade que não têm essa alternativa de segurança disponível e precisam circular pelas vias urbanas consideradas perigosas. Essa dinâmica produz a impossibilidade de estreitar laços e continua alimentando a sensação de medo e de insegurança.

Segundo Bauman (2009) somos todos feitos de diferenças e é possível aprender a arte de viver com ela respeitando a sua diversidade e aceitando a do outro. Pensar os possíveis caminhos para tornar a cidade segura deve ser um exercício feito com o coletivo e posto em prática cotidianamente pelos habitantes da cidade. Um desses caminhos já seria tomado a partir do momento que os indivíduos derrubassem as barreiras erguidas em sua volta e construíssem pontes com o objetivo de conhecer as diferenças presentes no outro. Viver em uma cidade contemporânea, intercultural, multifacetada, globalizada... significa arriscar-se a estar em contato com as diversidades presentes no mundo social humano.

Por Carla Santana.

Referências

BAUMAN, Zygmunt. Confiança e medo na cidade. Trad. Eliana Aguiar. Rio de Janeiro: Zahar, 2009.

CAMPOS, Luiza. Alphaville do lado de dentro do muro. YouTube, 06 de junho de 2022. Disponível em:  https://youtu.be/RrUW_-5lZvA.

ORGANIZAÇÃO das Nações Unidas, 2022. ONU-Habitat: população mundial será 68% urbana até 2050. 01 de julho de 2022.  Disponível em: https://brasil.un.org/pt-br/188520-onu-habitat-popula%C3%A7%C3%A3o-mundial-ser%C3%A1-68-urba

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